(...)
– Por que eu fui tirar férias...?
– Há meses atrás, em São Paulo, eu te pedi para ficar comigo e você me disse não. A partir dali eu resolvi gastar a gente. Deixar a gente cair na rotina. Deixar a gente se perder, fica ruim. Casais se esquecem assim. Mas com a gente isso não aconteceu, nem na rotina. Quando me divorciei, tive medo de te encontrar, de mergulhar na gente, e você soube se afastar. Preservando a gente até nessa hora. Nos poupando da briga.
– Eu fiz de propósito. Sabia que a gente poderia se machucar.
– Eu sei. Você se afastou e se manteve perto, cuidando de mim. E depois vieram inúmeras outras situações que tinham tudo para nos desgastar. E isso não acontecia...
– Nunca foi ruim.
– Nunca.
– Mesmo quando foi estranho, não foi ruim.
– Sim.
– E esse era o problema?
– Claro que sim. Tinha que ser ruim para a gente conseguir dizer adeus... mas mesmo quando era estranho, e em vários momentos foi, a gente, muitas vezes eu, muitas você, resgatava, superava, consertava, e tudo voltava a intensidade e a força do começo.
– Sim. Eu não consigo admitir te perder. Quando penso que você quer ir embora te acho maluca de abrir mão da gente. Por outro lado, eu gosto muito de você. Quero que você seja feliz.
– E eu quero tentar... e para tentar eu preciso ser honesta.
– Eu sei.
– Isso não quer dizer que eu não te amo mais. Eu já desisti de te dizer adeus. Eu já desisti de deixar de te amar. Eu ia te gravar um CD, mas fiquei com medo de você ter que jogar fora.
– CD de foto?
– Não. Claro que não. Nós não temos fotos. Nós somos uma mentira. Nós somos o motel da Glória.
– Não fala assim.
– Mas é verdade. A Glória nunca mais será a mesma. Sempre me lembro da gente no metrô da Glória, depois de descer aquela escadaria que dava no motel.
– Mas nós não somos uma mentira.
– Não. Nós somos o motel de quinta do bairro da Glória. Sem imagens, registros ou testemunhas. Ninguém nunca nos viu. Só o porteiro do motel da Glória. Ele e as recepcionistas dos Ibis de São Paulo. O CD era de música.
(silêncio. Incômodo.)
– Me abraça?
– Claro que sim... Preciso desse abraço também.
(Abraço. Cabeça no ombro. Mãos que percorrem. Beijo. Mãos. Força.)
– Não me deixa marcada, porra!
– Porra, cala essa boca! Você é muito escrota... vai tomar no cú.
– Eu posso te deixar marcado? Hein?
– Não. Claro que não!
– Então vai se fuder você. Eu conheço teu toque. Você não me pega assim.
– É saudade.
– Não é saudade. É vingança. Você é vingativo.
– Não sou, porra!
– Você é. Eu sei que você é. Só eu te conheço de verdade. Só eu.
– Eu sou. Mas isso não foi uma vingança. Isso foi saudade. Você é que tá sempre querendo me sacanear. Ficou me dizendo não, só pra me deixar assim...
– Eu não posso mais te dizer sim, será que você não entende???? Caralho!!! Quando você vai ver que eu não sou essa Mata Hari que você acha que eu sou...
(beijo. Mais e mais. Mãos percorrendo e mãos censurando as mãos que percorrem.)
– E o que eu faço com esse desejo, com essa vontade, com essa loucura que não passa?
– Eu não sei... eu não sei o que eu faço com a minha...
– Como você vai conseguir viver sem isso? Hein? Me conta, diz: Como? Não tem como... você sabe.
(beijos cada vez mais intensos. Mãos. Choro)
– Me deixa ir embora. Por favor... me deixa ir embora.
– Não chora... porra. Não chora.
(abraço)
– Esse não é o meu personagem. Esse não é o filme da minha vida. Eu não quero esse papel. Eu não quero ser a outra pra sempre. Não quero. Não posso. Não tô dizendo que eu não te amo. Eu sempre vou te amar. Pra sempre. Isso aqui não foi uma mentira. Isso aqui não é uma mentira. Isso aqui é amor. Você pode não dar esse nome, mas eu dou. Esse é o nome. Você sabe que é. A gente sabe que é.
– Para de chorar, por favor.
– Não estou te dizendo adeus. Não tenho capacidade para isso. Só estou indo embora. Se for esse o papel que você quer que eu tenha na sua vida, esse papel não me cabe... eu não quero. Me deixa ir embora... Eu coloquei a minha vida em suas mãos. Eu falei que eu ia com você para onde você quisesse, mas você não quis. Quando isso começou, há anos atrás, eu não botei fé no que sentíamos, na gente, no que era isso tudo. Brinquei. Você também não botou fé. Cá estamos agora, errados, tortos, clandestinos. Cada um tem a sua parcela de culpa. Deixamos que isso tudo virasse só isso aqui. Erramos. Estragamos tudo. Mas isso não é uma mentira.
– Não é uma mentira. Você sabe que não é.
– Quando nos reencontramos, eu vim aqui nessa mesma sala querendo respostas e certezas. Desde então eu as tenho. E de nada adianta... Nós não adiantamos para mais nada. Me deixa seguir. Eu preciso que você deixe, porque sozinha eu não consigo ir.
– Para de chorar. Por favor, não chora.
(Suspiro. Abraço. Beijo.)
– Eu vou parar.
(Respira. Beijo)
– Eu vou.
(Suspiro. Choro)
– Não chora você também. Eu preciso. Ir. Eu gosto de ser inteira.
– Tá... eu vou deixar, eu juro. Vai ser feliz, vai, menina.
(Abraço. Beijo.)
– Sabe qual era o nome do CD que eu ia fazer para você?
– Não. Qual?
– É ácido.
– (risos) Qual?
– “Para você nunca esquecer do que não quis viver”.
– (risos) Sim. É ácido.
– Mas real.
– (suspiro)
– Só me promete uma coisa?
– O que?
– Promete?
– Prometo. Fala
– Nunca deixe de me olhar dessa forma. No meio de todo mundo, procura o meu olhar
– Porra...
– Eu vou te olhar de volta. Juro. Eu só preciso, pra sempre, saber que você também não me esqueceu. Guarda esse olhar pra mim. Sempre. Pra sempre. Busca meu olhar. Eu vou retribuir. Eu vou te olhar de volta. Sempre. Promete?
– Prometo. Claro que prometo.
(abraço. Beijo. Beijo.)
– Vai embora. Por favor. Se não eu não vou conseguir. Vai, pega a sua bolsa e vai logo...
– Tá. Eu vou. Tô indo...
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– Você viu que compramos o Jobson? Agora não tem pra ninguém. Nosso Botafogo vai levar todas esse ano!
– Esse ano é do Botafogo. Fato.
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